O fenômeno da paralisia do sono: interpretações folclóricas e hipóteses recentes

Os mitos e as crônicas do folclore nos transmitiram com extrema clareza a maneira como os antigos enquadravam esse fenômeno: surpreendentemente, todas as crônicas e lendas da antiguidade concordam em afirmar que um certo tipo de entidades astrais - às vezes rotuladas pela mentalidade moderna como 'espíritos', outras vezes como 'demônios', muitas vezes também como 'fadas' e semelhantes - que conduzem seus ataques apenas durante a noite, muitas vezes pressionando o corpo da vítima adormecida e às vezes mantendo com o sujeito uma relação sexual. Essas entidades, nas diversas culturas, foram chamadas de inúmeras maneiras, das quais as mais conhecidas por nós, ocidentais, são as de derivação latina: 'succubi', 'incubi' e 'larva'.

di Marco Maculotti
capa: Johann Heinrich Füssli, Pesadelo

A paralisia do sono, também chamada de alucinação hipnagógica, é um distúrbio do sono em que, entre o sono e a vigília (portanto, no momento antes de adormecer ou no instante antes de acordar) de repente se encontra incapaz de se mover. Na maioria das vezes, de acordo com o que dizem aqueles que sofrem desse transtorno, a paralisia começa com uma sensação de formigamento que percorre o corpo, atingindo a cabeça, dentro da qual o sujeito sente uma espécie de zumbido “como um enxame de abelhas” ou um som semelhante ao de uma máquina de lavar ou um “bater e chiar de objetos de metal”. Muitas vezes a vítima dessa experiência tenta gritar por socorro, conseguindo na melhor das hipóteses sussurrar baixinho, experimentando também a desagradável sensação de ouvir a própria voz sufocada por algo anormal.

Muitas vezes, se a vítima está na cama com alguém, este não percebe nada, a ponto de muitas vezes até os fenômenos mais perturbadores (sons e ruídos aterrorizantes, vozes incompreensíveis, às vezes até estranhas luzes não naturais vindas de fora) conseguem despertar a atenção daqueles que não passam pelo episódio em primeira pessoa. Também pode acontecer que o súcubo (que, se outrora foi o nome da misteriosa entidade causadora do fenômeno, agora é o termo pelo qual a ciência médica se refere à 'vítima') ouça vozes familiares - ou, às vezes, até 'demoníacas' - ligando para ele, ou discutindo uns com os outros por trás do assunto ou, pior ainda, sussurrando perto de seu pescoço, muitas vezes por trás, com uma voz perturbadora.

A ciência acredita que esse estado anormal se deve à persistência do estado de atonia que os músculos apresentam durante o sono e é causado por uma discrepância entre a mente e o corpo: com a consequência de que, embora o cérebro esteja ativo e consciente e o sujeito muitas vezes pode ver e perceber claramente o que o cerca, apesar disso o corpo permanece em estado de repouso absoluto, a ponto de qualquer movimento ser impedido pela duração da experiência. É claro que a ciência nega a realidade das experiências vividas durante essa misteriosa experiência, reduzindo-as a meras alucinações causadas por alterações igualmente misteriosas no equilíbrio cerebral dos sujeitos, que ocorreriam no exato momento da transição entre vigília e sono – e vice-versa. vice-versa.

Johann_Heinrich_Füssli_053.jpg
Johann Heinrich Fussli, Pesadelo.

Muitos são de opinião, porém, que a análise do fenômeno não é possível exclusivamente por meio de instrumentos estritamente considerados 'científicos'. Alguns apontam que o fenômeno não é recente nem apenas típico de nossa época: desde os primórdios dos tempos, de fato, indivíduos das mais variadas origens geográficas e períodos históricos vivenciaram a experiência que hoje leva o nome de "paralisia do sono" e tentaram decifrá-lo com os meios tinham à sua disposição, tentando dar-lhe um sentido condizente com sua própria visão de mundo. De nossa parte, notamos como de fato a análise comparativa-sincrética da totalidade das tradições folclóricas existentes em nosso planeta sugere uma de cinto de segurança bem definido que não pode ser plenamente justificado reduzindo a experiência a uma mera alucinação irreal, desprovida de qualquer fundamento real.

Os mitos e as crônicas do folclore nos transmitiram com extrema clareza a forma como os antigos enquadravam esse fenômeno: surpreendentemente, todas as crônicas e lendas da antiguidade concordam em afirmar que o responsável por essas experiências perturbadoras é um certo tipo de entidades astrais - às vezes rotulados pelas mentes modernas como 'espíritos', outras vezes como 'demônios', muitas vezes também como 'fadase afins - que realizam seus ataques apenas durante a noite, muitas vezes pressionando o corpo da vítima adormecida e às vezes mantendo relações sexuais com o sujeito. Essas entidades, em várias culturas, foram chamadas de várias maneiras, sendo as mais conhecidas para nós ocidentais as de derivação latina: 'súcubos', 'pesadelos' e 'larvas'.


CRENÇAS FOLCLÓRICAS

EUROPA 

NORTE DA EUROPA. Na cultura popular islandesa, acreditava-se que as pessoas com paralisia do sono eram possuídas por um mara, vocên elfo ou súcubo (já que geralmente é do sexo feminino) que se acreditava ser capaz de causar pesadelos (a origem do termo anglo-saxão 'npesadelo'deriva da união do termo 'noite' com o nome desta misteriosa entidade). O mesmo nome para o mesmo fenômeno é encontrado em nórdico antigo, faroês e sueco. Também a raiz estragar-, usado para indicando as mesmas crenças, encontra-se numa miríade de outros países da área europeia, tanto continentais como insulares. Na linguagem seu nome era proto-germânico marrom, em inglês antigo mais, em alemão mahr, em holandês alegre, em dinamarquês égua, em irlandês antigo morrigina (do qual Morrigan, a rainha das fadas, mais tarde tornou-se Morgana nas sagas folclóricas medievais). Nas tradições celta-gaélicas, o fenômeno foi atribuído à influência de criaturas femininas nomeadas Leannain Sith, ou seja, "espíritos familiares"; entre outros, o reverendo presbiteriano escocês Robert Kirk em A Comunidade Secreta (1692), nestes termos (O reino secreto, pág.60):

Porque em nossas montanhas, como há muitas belas damas desta raça aérea que muitas vezes se encontram com jovens lascivos como súcubos ou amantes alegres ou vadias (que são o que chamamos de Leannain Sith), também acontece que muitos de nossos montanheses, como se estrangulados pelo pesadelo ou oprimidos por um sonho assustador ou melhor dominado por um de nossos vizinhos de avião, eles se levantam furiosamente à noite e pegando as armas mais próximas começam a empurrá-los e a apontar para todas as pessoas que estão em seu próprio quarto [...]

Sobre as precauções a serem tomadas para repelir esses seres, Kirk observa que "o ferro impede todas as operações daqueles que vagam pelos labirintos desses domínios secretos" (O reino secreto, p.38) e revela que "ainda hoje os escoceses do norte colocam pão, a Bíblia ou um pedaço de ferro na cama das mulheres quando elas têm as dores do parto para evitar que sejam sequestradas" (pp.21-22) . Também interessante é a descrição de Kirk das armas usadas por esses seres (p.28):

Suas armas são principalmente corpos sólidos de terra, nada de ferro, mas muitas pedras semelhantes a pederneira amarela macia, feitas como uma ponta de flecha barbada, mas lançadas como um dardo com grande força. Essas armas, fabricadas e fabricadas com ferramentas que parecem sobre-humanas, têm algo da natureza do raio, que fere partes vitais sutil e fatalmente sem cortar a pele.

Neste ponto de nossa análise, o relato de Kirk pode não atrair muito a atenção do leitor; no entanto, a importância do que o reverendo relatou sobre suas armas fadas isso nos parecerá esclarecedor mais tarde, quando analisarmos as semelhanças entre experiências de paralisia do sono e jornadas de iniciação xamânica.

078
Reunião noturna com um goblin.

A EUROPA CENTRAL. No que diz respeito ao espaço dos Balcãs e da Europa Central, encontramos o termo Mora nas línguas croata, sérvia, eslovena e eslovaca; em búlgaro e polonês encontramos a denominação mara, já possui-como nós vimos—Do espaço do Norte da Europa; dentro Romeno encontramos Moroi, em tcheco mura. Todas essas denominações extremamente semelhantes do fenômeno encontram suas próprias origem ancestral na raiz proto-indo-europeia Mora, que significa pesadelo, derivando por sua vez da raiz mar- cujo significado é'esfregue 'ou' mal '. No folclore húngaro, a paralisia do sono é conhecida como líderes (literalmente, "elfo que pressiona") e foi atribuído a uma série de entidades sobrenaturais, como o líder ("Goblin"), la bruxa ("Bruxa"), o afinador ("Fada") ou oördögszerető ("Amante demônio"). Na tradição da Moldávia, essa entidade maligna é chamada de Zburatorul.

tumblr_inline_mxnd66tGkQ1rwj0rh
Zburatorul, entidade demoníaca do folclore moldavo.

ÁREA MEDITERRÂNEA. Na Grécia e ao redor da ilha de Chipre, pensava-se que a paralisia do sono ocorria quando uma criatura incorpórea semelhante a um demônio chamada amora preta, Vrachnas o Varipnas (em grego: Μόρα, Βραχνάς, Βαρυπνάς) tentou roubar a alma da vítima, sentando-se no peito da vítima causando asfixia. Na ilha de Malta, a cultura popular atribuiu o incidente a um ataque de Haddiela, entidade que atormentava o indivíduo de forma semelhante a um poltergeist; para livrar-se de seu aperto era recomendado colocar um talher de prata ou uma faca debaixo do travesseiro antes de dormir. Assim, redescobrimos a curiosa propriedade do metal, especialmente do ferro — como apontou o escocês Kirk — de manter essas entidades afastadas durante a noite.

a9ff2d766ad222937a70edb23892ec21
Representação de um súcubo.

ITÁLIA. Na mitologia dos antigos romanos, oincubus era um demônio masculino que se deitava no peito das mulheres adormecidas, incutindo nelas sonhos caóticos e aproveitando-se de seus corpos com atos sexuais. Em outras lendas, que então surgiram Idade Média, a succubus (do latim Succuba "Lover") é um demônio feminino que seduziu homens, especialmente monges, para ter relações sexuais. Segundo a lenda, a súcubo absorvia a energia do homem para se alimentar, às vezes levando à morte os desafortunados. De acordo com outras versões do mito, eles levaram o homem ao pecado com suas tentações. Essa superstição também era uma explicação medieval para as ejaculações noturnas descontroladas (poluições) que ocorriam na juventude pré-adolescente.

IMAGEM 9
Strix

GReci e Romanos tinham uma vasta mitologia vampírica, incluindo entidades demoníacas femininas, derivadas da antiga tradição xamânica europeia. Lá lâmia, rainha dos súcubos, era uma espécie de bruxa, que ora aparecia com feições de uma bela moça, ora como uma velha, ora com feições de animais, de preferência uma cobra com cabeça de mulher. Na Roma antiga o strix, ancestral direto do à risca italiano e do fantasma Romeno, que muitas vezes se manifestava na forma de pássaros noturnos. Outra garota letal foi aempusa, que apareceu como uma menina esplêndida, embora na realidade escondesse feições monstruosas e repugnantes, incluindo um pé de bronze e um esterco de burro. eue nós murmuramosem vez disso, eram igualmente entidades vampíricas, a serviço de Hécate, deusa da noite, da magia negra e protetora das bruxas. 

ÁSIA

MÉDIO ORIENTE. Nas lendas árabes, o fenômeno da paralisia do sono é muitas vezes referido como kaboos (árabe: كابوس), literalmente "pressionar" ou ja-thoom (em árabe: جاثة) literalmente "algo que se apoia fortemente em algo". Embora mais tarde o termo kaboos também será usado para se referir a qualquer tipo de pesadelo, originalmente no folclore dos países árabes, acreditava-se que Kaboos era uma entidade demoníaca que costumava sentar-se pesadamente no peito das pessoas durante o sono. A mesma crença é encontrada na Turquia, onde a paralisia do sono é definida pesadelo ("O pé escuro") e também é atribuído a uma criatura que ataca as pessoas durante o sono, pressionando o peito e roubando a respiração. em A cultura persa é encontrada no bakhtak (persa: بختک), uma entidade fantasma que também fica no peito do sonhador, tornando a respiração perigosamente difícil. Acredita-se também que aAlgumas casas e lugares são assombrados por fantasmas malignos que podem assombrar as pessoas que moram lá, especialmente à noite. Na área muçulmana, 'pessoas santas' (ou seja, imãs, maulvises, sufis, mulás e faquires) são frequentemente chamados a realizar exorcismos naqueles que se acredita serem possuídos por tais entidades.

LEIA TAMBÉM  O deus primordial e triplo: correspondências esotéricas e iconográficas nas tradições antigas

SUL DA ASIA. em Paquistão o fenômeno da paralisia do sono é considerado devido a um encontro com shaytan (Urdu: شيطان), um  jinn ou demônio maligno que é capaz de assumir o controle do corpo da vítima.  Assim como no Irã, essa entidade também é conhecida como bakhtak (urdu: بختک) ou ifrit.  Acredita-se também que tal experiência seja causada pelo uso de magia negra por inimigos ou pessoas invejosas.  ai bcrianças e meninas são obrigadas a usar um amuleto, ta'wiz (urdu: تعویز) para afastar o mau-olhado. No folclore tâmil do Sri Lanka, este fenômeno particular é referido como amuku ser o amuku pei, que significa "o fantasma que força para baixo". No Nepal, especialmente na cultura Newari, kei, um fantasma que se acredita residir no escuro, sob as escadas de uma casa.

2016-04-06 03.55.36 tela para
Artigo de jornal sobre a epidemia de mortes durante a paralisia do sono na área do Sudeste Asiático, década de 1970/80.

SUDESTE DA ÁSIANas culturas cambojana Lao e tailandesa, a paralisia do sono é chamada phǐǐ e Khmout Sucot e são descritos como eventos em que a pessoa adormecida sonha que uma ou mais figuras fantasmagóricas estão próximas ou a estão segurando com força. A vítima geralmente pensa que está acordada, mas é incapaz de se mover ou fazer sons. Mesmo na cultura Hmong, acredita-se que a paralisia do sono seja causada por um espírito noturno pressionando o peito da vítima, e essa entidade é chamada de dab tsog; esta criatura às vezes até tenta estrangular suas vítimas; alguns acreditam que é responsável pela morte súbita e inesperada de mais de 100 imigrantes do Sudeste Asiático durante a noite no final dos anos XNUMX e início dos anos XNUMX. No folclore vietnamita, o mesmo fenômeno é chamado dje, que significa "pressionado por um fantasma" ou bong dje, ou seja, "preso por uma sombra". Nas Filipinas o fenômeno é definido Bangungut e é tradicionalmente atribuída a pesadelos. Na Nova Guiné, as pessoas se referem a esse fenômeno como ninmyo suk: aqui, no entanto, a crença é generalizada que os responsáveis ​​são árvores sagradas que usam a essência humana para sustentar sua vida; de fato, diz-se que essas árvores se alimentam de essência humana durante a noite para não perturbar a vida cotidiana do homem. Em ppt Ilha da Malásia, a paralisia do sono é conhecida como Kena Tindih (o Ketindihan na Indonésia), que significa "ser pressionado".

ÁSIA LESTENa cultura chinesa, a paralisia do sono é amplamente conhecida como 鬼 压 身 / 鬼 压 身 (pinyin: guǐ ya shen) ou 鬼 压 床 / 鬼 压 床 (pinyin: guǐchuang ya), que se traduz literalmente como "fantasma pressionando o corpo ou "fantasma pressionando a cama". Um termo mais moderno é 梦魇 / 梦魇 (pinyin: Meng Yin). No Japão o fenômeno vem indicado como Kanashibari (金 縛 り, literalmente «ligado ou fixado ao metal», de kane (metal) e shibaru (amarrar, consertar). Na cultura coreana é chamado gawi nulo (hangul: 가위 눌림) que significa literalmente "ser pressionado por um fantasma" e é frequentemente associado à crença de que um espírito se deita sobre o dorminhoco, pressionando seu peito. Não.Na cultura mongol, os pesadelos em geral, bem como a paralisia do sono, são chamados de khar darakh o Kara Darahu, que significa "ser pressionado pelo preto" (kara na verdade, significa "preto, escuro, sombra").  Os "xamãs do lado negro" são chamados kharin boo e sobrevivem apenas no extremo norte da Mongólia; eles, ao contrário do tsaghaan zugiin buu ("Xamãs do lado da luz") são capazes de invocar até mesmo spititi malévolos e, portanto, às vezes são responsabilizados pelo ataque de espíritos malignos durante a noite.

Kanashibari-001.jpg
O motivo folclórico japonês de kanashibari tem sido frequentemente retomado por diretores de terror orientais, como por exemplo. no filme muito popular Yu-On.

ÁFRICA

Na cultura africana, a paralisia do sono é comumente referida como "a bruxa montada nas costas". Entre os iorubás do sudoeste da Nigéria, a posse por Ogun Oru (literalmente, "guerra noturna) é a explicação folclórica para distúrbios noturnos; acredita-se que esse demônio seja responsável por uma grave perturbação noturna, tradicionalmente atribuída a infiltrações demoníacas no corpo e na psique durante a atividade onírica. Ogun oru aparece principalmente com feições femininas e às vezes se envolve em uma rixa contra a esposa terrena de sua vítima, às vezes causando a morte dela. Acredita-se que estedesde que a possessão demoníaca seja tratável por meio de orações cristãs ou elaborados rituais tradicionais destinados a exorcizar os elementos demoníacos ensurdecidos durante o sono. Na cultura Shona do Zimbábue, a palavra madzikirira é usado para significar "algo que pressiona para baixo". Na Etiópia, o termo é usado ducaque para indicar um espírito maligno que possui as pessoas durante a fase do sono;  aAlguns acreditam que essa experiência está relacionada à abstinência de khat, uma erva mágica que as tribos nativas costumam mastigar para tornar seus sonhos mais serenos.  Entre os Swahili da África Oriental o fenômeno é conhecido como Jinamizi, e refere-se a uma criatura sentada no peito da vítima, dificultando a respiração; a maioria das pessoas que passaram por essa experiência agonizante também se lembra de ter sido estrangulada por essa 'criatura'.

AMÉRICA

Durante os julgamentos das bruxas de Salem, várias pessoas relataram ataques noturnos de supostas bruxas às autoridades; isso, é claro, pode ter sido o resultado da paralisia do sono. Em Newfoundland e Labrador, a criatura considerada responsável por esta experiência é conhecida como o Bruxa velha; no folclore, a "velha bruxa" pode ser convocada por feiticeiros para atacar um terceiro, como uma maldição. Em seu livro de 1982, O terror que vem à noite, David J. Hufford escreveu que na cultura local a maneira mais adequada de invocar a Bruxa é recitar o Pai Nosso ao contrário. Em muitas partes do sul dos Estados Unidos, o fenômeno também é conhecido da mesma maneira, mas, além disso, diz-se que a experiência é muitas vezes premonitória de uma tragédia ou acidente que atingirá a vítima ou seus entes queridos. No México, acredita-se que isso seja causado pelo espírito de uma pessoa morta: esse fantasma fica no corpo do dorminhoco, tornando-o incapaz de se mover, e refere-se à entidade gostar "Subir el Muerto"(Literalmente," cadáver em você ").

Blicke_in_die_Traum-_und_Geisterwelt-e1420305556428
Gravura vitoriana sobre o fenômeno da paralisia do sono.

ENCONTROS DE SONHO NA TRADIÇÃO XAMÂNICA

Um paralelismo com o fenômeno da paralisia do sono e o conseqüente encontro com criaturas sobrenaturais também pode ser facilmente encontrado na literatura sobre a experiência de iniciação xamânica. Joan Halifax em seu trabalho Vozes Xamânicas (1979) relata inúmeros testemunhos a esse respeito, como o de um xamã neófito que disse ao antropólogo norueguês Jon Rasmussen que "quando jovem foi assediado por sonhos que não compreendia: seres estranhos falaram com ele e, ao acordar, ele via os sonhos com tanta clareza que poder contá-los inteiramente aos amigos "(J. Halifax, Vozes xamânicas, ed.it. Rizzoli, 1982, p. 16 e segs.).

Outro relato relatado por Halifax, coletado por Megan Biesele, diz respeito a um velho bosquímano Kung, que descreveu seu encontro com entidades sobrenaturais em estado de transe nestes termos: “Sim. É um espírito. […] Depois há outro cujas pernas são moles. […] Tem chifres. […] E as orelhas ficam de fora. […] A cara dele é grande! […] É uma coisa terrível, meu amigo. Uma coisa impura. Uma coisa para fazer você fugir. As pessoas têm que se curar contra ele porque ele é tão mau. As pessoas têm medo dele...” (p.63).

Um índio Paviotso de Nevada explica o acesso à visão xamânica nestes termos: “São duas noites. A segunda noite segue a noite que todos vemos. Esta segunda noite está abaixo da escuridão. […] Somente os xamãs podem ver esta segunda noite. As pessoas só podem ver a escuridão. Eles não podem vê-lo na noite que está abaixo dele." (p.107). Vamos comparar essas afirmações com o que foi dito por vários sujeitos que sofrem de paralisia do sono, que afirmam que nessas situações "a escuridão está repleta de todas as formas de vida, normalmente invisíveis à vista" e teremos algo em que pensar. Agora estendemos a comparação a alguns trechos do habitual Kirk sobre o mundo da fadas (O reino secreto):

Há cerimônias estranhas quando alguém é investido de todos os privilégios desta misteriosa segunda visão... (p.34) [...] então ele verá uma série de espíritos que parecem homens raivosos e fortes vindo em sua direção de todas as partes. partes do horizonte, densas como poeira no ar. E não são coisas que não existem ou fantasmas, seres que vêm de uma percepção amedrontada ou de um sentimento confuso ou louco: mas são realidades que se manifestam a um homem equilibrado em posse de todos os seus sentidos para poder ter um testemunho válido da sua existência. (p.35) [...] Esses homens aqui de quem estamos falando percebem coisas que pela sua pequenez e tênue [...] são invisíveis para os outros mesmo estando perto deles todos os dias. Porque eles têm continuamente consigo um raio como o do sol que só quando brilha claramente faz com que os olhos comuns vejam os átomos de poeira no ar, enquanto sem esses raios eles não poderiam discerni-los. (pág. 37)

Voltando aos relatos puramente xamânicos, deve-se notar que experiências desse tipo sempre ocorrem em estado de transe, ou seja, no limiar entre a vigília e o sono, assim como acontece com os sujeitos que sofrem de paralisia durante o sono; a única diferença é que, no caso da experiência xamânica, esse estado alterado de consciência é buscado conscientemente pelo sujeito, além de muitas vezes favorecido por jejuns e práticas rituais e muitas vezes intensificado pela ingestão de substâncias psicotrópicas, que podem variar de amanita muscaria (Sibéria), psilocibina, ayahuasca (Amazônia) e assim por diante. Em outras palavras, diferentemente dos sujeitos clínicos que "passam" por tais experiências, os xamãs se lançam voluntariamente nesse limbo desconhecido entre o mundo de vigília e o mundo dos sonhos, a fim de vivenciar o encontro com entidades sobrenaturais e, assim, adquirir poderes espirituais.

LEIA TAMBÉM  TODA ALMA É UMA ESTRELA — 2) Mircea Eliade

Portanto, eles têm a capacidade de se colocar em um determinado estado mental que torna visível para eles o que é invisível para o indivíduo comum. A meio caminho entre as experiências xamânicas e as da paralisia do sono estão os encontros com fadas, ora procurado, ora completamente aleatório: isso, por outro lado, parece-nos perfeitamente lógico, pois o intervalo de tempo desses fenômenos está a meio caminho entre o arcaico e o moderno, em que fenômenos semelhantes ocorrem principalmente de maneira inesperada e sem nenhum conhecimento ou ferramenta interpretativa adequada para permitir sua colocação dentro de um quadro lógico.

desmembramento
Representação artística do desmembramento iniciático, ocorrido durante uma cerimônia ritual com o uso da ayahuasca.

LESÕES E DEMISSÕES RITUAIS

Muitas vezes, o encontro com os espíritos evolui para uma "ferida ritual" que leva a um verdadeiro "desmembramento" (no plano astral, é claro, pois durante o transe iniciático o corpo do neófito permanece imóvel e não sofre nada do que as experiências iniciáticas durante a jornada xamânica), um desmembramento que os xamãs, no entanto, vivenciam como uma realidade indubitável, pois ao despertar encontram-se dotados de habilidades psíquicas antes impensáveis. Com isso em mente, vamos ler o que o pesquisador escocês Graham Hancock (Xamãs, Mauri Spagnol, 2006, p. 282 e segs.) Quem analisando esse fenômeno encontra correspondências excepcionais entre inúmeras culturas xamânicas:

Na selva amazônica, quando os xamãs da tribo Jivaro entram em transe com a ayahuasca, eles interpretam as mesmas sensações de pele neurologicamente geradas como pequenos dardos afiados lançados contra eles por entidades sobrenaturais. Os xamãs siberianos Tungus, por outro lado, falam de transes de iniciação, induzidos pela ingestão de Amanita muscaria, em que sentem o corpo trespassado por flechas, a carne dilacerada, os ossos dilacerados. […] Até os Jus hoansi [África do Sul] acreditam na existência de dardos sobrenaturais malignos- "flechas de dor" - disparadas por espíritos e visíveis apenas por xamãs em transe. […] Alguns sujeitos contaram ao antropólogo Richard Katz que quando isso acontecia eles sentiam o estômago "cheio de espinhos", como se houvesse "flechas saindo de todos os lados".

O próprio Hancock (p.286) também relata uma declaração de um xamã quirguiz do Cazaquistão em que afirma ter "cinco espíritos no céu, que me cortaram com quarenta facas e me esfaquearam com quarenta pregos" e cita a crença do iakuti de o norte da Sibéria segundo a qual "às vezes o iniciado em transe é levado por três demônios negros que destroem seu corpo, enfiam uma lança em sua cabeça e jogam pedaços de sua carne em diferentes direções".

Exemplos semelhantes são encontrados às dezenas na obra monumental de Mircea Eliade Xamanismo e as técnicas de êxtase (1951) e em outros que investigam as iniciações xamânicas: geralmente essa "ferida ritual" resulta em um desmembramento real, que é seguido pelo renascimento iniciático do aspirante a xamã, que desperta dotado de poderes sobrenaturais ação dos espíritos). Hancock também adota a mesma linha de pensamento, citando as crenças sagradas das mais variadas culturas de nosso planeta, inclusive a dos aborígenes australianos, segundo os quais "o desmembramento e recomposição espiritual de seus 'curandeiros' envolvem estranhas operações cirúrgicas nas durante o qual seres sobrenaturais inserem pequenos fragmentos de cristal de rocha (chamados 'antongara') no corpo do iniciado” (p.286).

Comparando esses depoimentos com o que foi relatado pelo reverendo Kirk sobre a arma característica do fadas escocês, «feito como ponta de freccia barbata, mas lançado como um dardo com grande força", Tendo"algo da natureza do relâmpago, que fere partes vitais sutil e fatalmente sem cortar a pele(E de fato os xamãs todas as vezes, após o desmembramento, acordam totalmente desprovidos de qualquer ferida) é natural supor que há pontos indiscutivelmente sólidos em comum entre as diferentes tradições. Retomemos o trabalho de Kirk, e citamos também o que ele diz sobre aqueles que viveram o encontro com fadas (p.29): «Aqueles que não são exorcizados ou purificados (chamam-nos visionário) são ditos não vaiisso é dizer falecido ou ferido com armas por este povo, o que muitas vezes faz com que eles ajam de maneira muito diferente de seu comportamento anterior, causando uma alteração repentina, embora a causa disso seja no momento invisível ». Devemos notar aqui que numerosos indivíduos que sofreram paralisia do sono também afirmam ter sofrido ferimentos ou tortura assustadora por 'demônios' ou 'sombras negras' e, obviamente, ao acordar, eles perceberam que nada disso havia acontecido com seu corpo - pelo menos, no plano puro físico.

AMOR COM ESPÍRITOS

Tem mais. Muitas vezes, os testemunhos xamânicos de todo o mundo relatam a possibilidade de o xamã manter uma verdadeira relação amorosa/sexual com o espírito com o qual entra em contato durante o transe. Halifax cita o etnólogo russo Shternberg, que diz que os xamãs tungus da Sibéria foram "empurrados para o serviço xamânico por um espírito especial que lhes oferecia amor e com quem viviam juntos. dormindo"(P.123).

Graham Hancock relata que “alguns anos antes de sua iniciação, um xamã neófito da tribo siberiana Buryat experimenta uma jornada celestial na qual ele tem relações sexuais com inúmeras mulheres-espíritos, uma das quais se torna sua esposa no céu"(Xamãs, p.354); além disso, o próprio Hancock escreve que, entre as saoras de Orissa (Índia), "os futuros xamãs recebem o chamado e a consagração espiritual durante as visitas do submundo de um pretendente que pede sua mão" (p.355) e que "o saoras dizem que quando este pretendente do mundo espiritual entrou nos quartos das meninas, toda a família foi vítima de um feitiço e dormiu profundamente»(P.356): exatamente a mesma situação vivida por quem, hoje, vive uma experiência de paralisia no sono.

Não iremos mais longe em exemplos desse tipo, pois são facilmente encontrados em quase todas as tradições xamânicas do nosso globo. De nossa parte, acreditamos que há um claro paralelismo entre essas tradições, o encontro com o súcubo da memória antiga e aquele com as entidades misteriosas durante os episódios de paralisia do sono.

vida-interno.jpg
Encontro com espíritos femininos, Amazônia.

MESMO FENÔMENO, REAÇÕES DIFERENTES?

Gostaríamos agora de sublinhar como, se nas sociedades do mundo antigo e entre os povos que seguem o caminho xamânico, tal encontro com seres sobrenaturais era considerado o dom mais precioso que um indivíduo poderia receber, notamos que já em no final da Escócia '600 tais assuntos não foram vistos com bons olhos, a ponto de recomendar seu "exorcismo" e "purificação" após o encontro com as entidades misteriosas: isso, por outro lado, é perfeitamente compreensível à luz da fenômeno da "caça às bruxas", que já vinha acontecendo incansavelmente há séculos. Clarividência e outras faculdades sobrenaturais (características que permitem a Kirk definir um indivíduo 'visionário'ou'não vai') são reduzidos pela mentalidade cristã a meros poderes 'demoníacos' e, consequentemente, não apenas aqueles que os possuem não são mais considerados líderes espirituais (como acontecia nas sociedades xamânicas), mas com uma inversão absoluta de perspectiva são apontados como um 'companheiro dos demônios' e, portanto, evitado, se não mesmo removido, do consórcio social.

Por fim, em nossa era tecnológica e materialista, não há mais espaço para qualquer tipo de hipótese ou teoria que vá além do que pode ser cientificamente demonstrado com experimentos repetíveis em laboratório: uma abordagem obviamente pouco funcional para decifrar tão singular e absolutamente experiência única, não recriável sob comando como a paralisia do sono. A amarga consequência dessa atitude irresponsável da ciência acadêmica está à vista de todos: aqueles que se deparam com esses episódios bizarros hoje em dia são, na melhor das hipóteses, considerados indivíduos 'estranhos', se não visionários ou pior ainda, psicóticos completamente desprovidos de qualquer contato com o a chamada 'realidade', quando ao invés, para evoluir significativamente do ponto de vista cognitivo, pareceria desejável que coubesse à mente humana se adaptar aos acontecimentos do mundo fenomenológico, por mais complexos que sejam decifrar e compreender, e não o contrário.

Pesadelo de...
Nikolai Abraham Abildgaard, Pesadelo.

AS «NOITES FINAS» DE HP LOVECRAFT

Outros paralelos podem ser encontrados na história recente. Uma das mais sensacionais nos vem da pena de Howard Phillips Lovecraft, unanimemente considerado um dos maiores escritores da literatura do século XX, que contava a seus correspondentes sobre os encontros que viveu quando criança, dos seis aos onze anos, a cada noite, com as chamadas "Noites Magras" (Gatas Noturnas). Aqui está como o escritor descreve essas experiências arrepiantes em uma carta a Rheinhart Kleiner datada de 16 de novembro de 1916 (HP Lovecraft. O horror da realidade. Editado por G. De Turris e S. Fusco, edição Mediterrâneo, 2007, p.39 e seguintes):

Em janeiro de 1896, a morte de minha avó lançou toda a família em um clima de luto do qual nunca se recuperaram totalmente. […] Foi então que a minha vivacidade natural se desvaneceu. Comecei a ter os pesadelos mais odiosos, povoados de coisas que batizei de "magreza noturna", termo composto de minha própria invenção. Muitas vezes eu os desenhava ao acordar (talvez a ideia dessas figuras tivesse sido inspirada em uma edição de luxo de Paradise Lost com ilustrações de Gustave Doré, que eu havia descoberto um dia na sala de estar oriental). Em sonhos, eles me arrastavam voando pelo espaço a uma velocidade vertiginosa, enquanto me esfaqueavam e me atormentavam com seus detestáveis ​​tridentes. Quinze anos inteiros já se passaram-de fato mais- desde a última vez que vi um "fino noturno", mas ainda assim, quando estou meio adormecido e me deixo à deriva em um mar de pensamentos infantis, sinto um arrepio de medo [...] e instintivamente luto desesperadamente para fique acordado. Esta foi a minha única oração em 1896, todas as noites: fique acordado e cuidado com os escassos nocturnos!

Lendo o testemunho de Lovecraft, várias razões imediatamente chamam a atenção que já encontramos em outros lugares. Primeiro, a forte situação de estresse emocional em que o sujeito se encontrava no momento do início dos primeiros episódios: um clássico da literatura médica referente aos casos de paralisia do sono. Mais uma vez, o fato de que as experiências sempre aconteciam quando ele era "meio adormecido», ou seja, num estado intermédio entre a vigília e o sono: esta característica permite-nos também associar correctamente o encontro com as «Noites Magras» com as experiências clínicas da paralisia do sono.

LEIA TAMBÉM  Turan, a terra dos lobos

Além disso, além da visão e percepção dessas criaturas misteriosas, notamos que se diz que "esfaqueado"E"eles atormentaram com seus tridentes detestáveis»: Nestas pistas, além do aspecto das entidades que os cristãos definiriam como 'demoníacas', parece-nos oportuno reconhecer pontos fortes de contato com as experiências xamânicas relatadas acima, nas quais o aspirante a iniciado é frequentemente ferido , cutucada com dardos afiados, "flechas de dor", Lanças,"cristais de rocha" e assim por diante. Consideramos oportuno, portanto, resgatar as experiências juvenis do brilhante escritor da Providência no contexto da paralisia do sono e, ainda mais claramente, do encontro xamânico com espíritos de outras dimensões que muitas vezes, como sabemos, resulta em uma (aparentemente incompreensível aos olhos de uma criança da sociedade burguesa da Nova Inglaterra no final do século XIX) lesão real pelo uso de armas afiadas e cortantes.

É curioso, no entanto, notar que, apesar de o pequeno Howard não ter tido ferramentas interpretativas adequadas para enquadrar os episódios que o atormentavam todas as noites das seis às onze, parece que ele passou por uma fase completa. caminho da iniciação.” De fato, o encontro com os misteriosos espíritos das trevas foi seguido pelo que os xamãs chamam de “ritual de ferimento e desmembramento”. Isso, embora Lovecraft provavelmente nunca tenha entendido completamente, pode ter, em nossa opinião, uma influência real em sua produção literária nos próximos anos. Não é por acaso, acreditamos, que o escritor de Providence praticamente deu origem a uma verdadeira 'mitologia sombria' de espaços cósmicos (na qual até os 'Night Skinny' têm seu papel) que nunca antes ele havia sido sequer remotamente capaz de imaginar. Em nossa opinião, estamos diante de um caso muito raro de iniciação xamânica moderna, não procurada como no caso dos antigos xamãs, mas simplesmente ocorreu a um sujeito (particularmente predisposto, isso é evidente) que não estava de posse de qualquer noção de xamanismo.

h__p__lovecraft_s_night_gaunts_by_khialat-d7d55om
Composição poética de HP Lovecraft em Night Skinny.

O FENÔMENO DE ABDUÇÃO

O mais moderno paralelismo, bem como o último relativo a este estudo, ao qual julgamos oportuno dar crédito diz respeito ao fenómeno (aparentemente muito recente e cientificamente inexplicável e, portanto, inexplicável) do abdução, nomeadamente os chamados "abduções alienígenas". Nos últimos sessenta anos, inúmeras pessoas ao redor do mundo expressaram a crença de que foram levadas por seres alienígenas e levadas a bordo de naves espaciais ou em lugares de difícil acesso, como bases subterrâneas ou submarinas, ou mesmo em lugares que parecem estar localizado no céu ou em outras dimensões. Nesses lugares, os "abduzidos" alegam ter sido submetidos a exames e operações médicas, torturas com objetos pontiagudos e terem sido forçados, muitas vezes com relutância, a manter relações sexuais com essas entidades misteriosas.

Já no final dos anos XNUMX, o pesquisador francês Jacques Vallée, examinando fenômenos que vão além da experiência sensível ordinária, notou uma semelhança entre certos fenômenos presentes no folclore (como os encontros com as pessoas da fadas), modernos supostos encontros próximos com extraterrestres e outros supostos fenômenos paranormais (Passaporte para Magonia: do folclore aos discos voadores, 1969). Ele vislumbrou no fenômeno (aparentemente) recente da abdução um sistema de controle da evolução terrestre que está ativo na história humana e opera no inconsciente coletivo de nossa espécie. Segundo sua hipótese, essas entidades não vêm do espaço, mas sim de uma dimensão paralela à nossa (hipótese parafísica); seriam, portanto, entidades interdimensional, e o encontro com eles só se daria em determinadas situações de consciência alterada.

Devemos notar imediatamente que os chamados "abduções alienígenas", como os episódios de paralisia do sono, ocorrem precisamente durante a noite, quando o sujeito está na cama prestes a adormecer. Outros indivíduos relatam casos em que a experiência do sequestro ocorre enquanto eles estão ao volante de seu carro, durante uma viagem longa e monótona, na grande maioria das vezes à noite: uma situação ideal, em suma, para a mente entrar aquele estado particular de transe que os antigos xamãs conheciam bem e consideravam a porta de entrada para outras dimensões do ser.

Mais recentemente, mesmo o já mencionado várias vezes Graham Hancock pensou ter descoberto paralelos entre o encontro dos antigos europeus com os "Pequenos" (e a consequente entrada no "reino das fadas"), as experiências espirituais dos xamãs em outras dimensões , assim como o fenômeno da rapto. De nossa parte, parece sensato estender o campo de investigação para incluir episódios de paralisia do sono, pois, como tentaremos demonstrar, os paralelos são realmente muitos para fingir que não existem. Assim, relatamos alguns testemunhos sobre os chamados “abduções alienígenas” e os comparamos com as experiências de um tipo xamânico (Xamãs, pág.316):

Jerry relatou que algo tão afiado quanto uma agulha estava sendo direcionado para o lado em seu pescoço [...] Um pequeno ser enfiou uma agulha grande com cerca de trinta centímetros de comprimento com uma espécie de alça no pescoço de Joe, logo abaixo da orelha, "contra o crânio », causando-lhe uma forte dor... [...] Um instrumento de metal com cerca de trinta centímetros de comprimento foi inserido profundamente no cérebro de Catherine através de uma de suas narinas:« algo quebrou para poder entrar no meu cérebro »...

Vamos agora comparar esses testemunhos perturbadores com alguns relatos xamânicos relatados pelo autor:

Três criaturas negras e malignas empurram com força uma lança em sua cabeça (Yakut, Sibéria) […] então sai pela boca… (Arunta, Austrália) […] Uma cobra é colocada em volta de suas cabeças e seus narizes são perfurados por um objeto mágico… (Warramunga, Austrália).

Se o paralelismo já não era suficientemente claro, continuemos citando os depoimentos relatados por Hancock; das vítimas de abdução (p.317) ...

Dois seres operaram a coluna de Eva: "Senti como se estivessem entrando no meu corpo com algum instrumento pontiagudo, como se o estivessem introduzindo entre carne e pele..." [...] Uma longa agulha foi inserida no umbigo de Betty Hill , causando-lhe uma dor excruciante.

... e agora novamente dos relatos xamânicos:

"Eu vi a figura de um homem... cuja cabeça estava cercada por um brilho luminoso... Ele disse: "Espere sem medo até que eu tenha dito e feito tudo o que é minha intenção." Mais tarde senti vários instrumentos, primeiro semelhantes a facas afiadas, depois como agulhas, penetrarem na minha carne ... "(Ojibwa, Canadá) [...]" Pensa-se que o aspirante dentro da sociedade Kuksu tem seu umbigo perfurado por uma lança ou de uma flecha pela mão do próprio Kuksu... »(Rio Patwin, América do Norte).

Captura de tela 2016-04-06 em 03.43.16.png
Uma comparação visual entre um abdução e um episódio de paralisia do sono. Screenshot retirado do documentário O pesadelo (2014), dedicado ao fenômeno da paralisia do sono.

Se tudo isto é em si bastante chocante pela evidência do paralelismo, deve acrescentar-se também que mesmo as vítimas de abdução frequentemente relatam testemunhos de uniões sexuais com entidades alienígenas: a menção disso pode ser facilmente encontrada em estudos dos pesquisadores americanos Budd Hopkins e John Edward Mack, bem como no relato de Whitley Strieber (Comunhão, 1987; do qual foi extraída dois anos depois o filme de mesmo nome, dirigido por Philippe Mora) que vivenciou uma relação particularmente intensa com uma das entidades cujas visitas noturnas costumava receber. Embora a criatura parecesse assexual, Strieber estava firmemente convencido de que era uma 'ela', também e sobretudo pelo fato de ter mantido não apenas relações sexuais com ela, mas também mais sutilmente sentimentais: daí o título da obra, escolhido por o 'autor para sublinhar como a relação entre os dois não era apenas invasiva e traumática, mas com o passar do tempo se transformou em uma verdadeira 'comunhão' espiritual. Exatamente o que se esperaria ao ler os relatos xamânicos sobre os 'espíritos-guia' e as 'esposas no céu', ou aqueles relatados por Kirk sobre seus encontros com as pessoas misteriosas do 'Reino Secreto'.

Resta notar como, em casos clínicos de paralisia do sono, é difícil implementar tal relação. Os sujeitos vivem as mesmas experiências, sentem-se paralisados ​​e desamparados, o mundo exterior é povoado por habitantes sombrios e misteriosos, que muitas vezes os assustam e às vezes os ferem cruelmente. Às vezes, em casos mais complexos, as pessoas se sentem sexualmente violadas por essas entidades. No entanto, na grande maioria dos casos, os indivíduos que sofrem de paralisia do sono vivenciam a experiência de forma dramática e não têm dúvidas em definir as entidades que os visitam como malignas, se não mesmo 'demoníacas' ou 'satânicas', esse estado particular de consciência. Mas este é realmente o caso? Essas entidades são realmente cruéis? Ou melhor, somos nós seres humanos que, agora desconhecendo as tradições míticas e folclóricas que nossos ancestrais nos transmitiram ao longo dos milênios, não temos mais as ferramentas interpretativas necessárias que nos permitiriam decifrar e compreender essas fenômenos obscuros?

A posteridade julgará.

capa de comunhão


BIBLIOGRAFIA

  • Mircea Eliade, Xamanismo e as técnicas de êxtase (Mediterrâneo, 1974) 
  • Joan Halifax, Vozes xamânicas (Rizzoli, 1982).
  • GrahamHancock, Xamãs (Mauri Spagnol, 2006).
  • HP Lovecraft. O horror da realidade, editado por G. De Turris e S. Fusco (Mediterranee, 2007).
  • Roberto Kirk, O reino secreto (Adelphi, 1980).
  • Whitley Strieber, Comunhão (Rizzoli, 1988).
  • Jacques Vallee, Passaporte para Magonia: do folclore aos discos voadores (1969).

PS Para os interessados ​​no tema "paralisia do sono" e gostariam de ouvir os testemunhos dos interessados ​​em primeira mão, a visão do documentário recente (2014) The Nightmare é fortemente recomendado.

28 comentários em “O fenômeno da paralisia do sono: interpretações folclóricas e hipóteses recentes"

  1. Olá e muito obrigado pela explicação completa .. sofro com esses episódios com frequência e achei muito interessante ler as várias hipóteses e crenças ao redor do mundo .. mesmo ouvindo antes que aconteça ... o zumbido das abelhas em minha cabeça ... você é o primeiro a mencioná-lo ... e isso acontece comigo regularmente, pois também estou firmemente convencido de que não é apenas um problema clínico, mas há mais ... embora na maioria das vezes sejam realmente aterrorizante eu realmente acho que eles são uma porta em outro nível de consciência e no que é normalmente invisível aos nossos olhos humanos.

  2. Aconteceu comigo duas vezes. Arrepiante. Uma entidade demoníaca estava me pressionando, tirando meu fôlego. Tentei me mexer e gritar, mas fiquei paralisado. A primeira vez a entidade gritou comigo com violência sem precedentes para matar minha namorada que estava dormindo no quarto ao lado naquele momento. Então ela descobriu que no mesmo momento estava sentindo fortes e inexplicáveis ​​dores nos ossos que a atormentavam. Três anos depois, aconteceu comigo novamente. Foi ainda mais assustador do que da primeira vez. O demônio me pressionou e me sufocou, falou comigo com voz satânica. Puro terror. Consegui acordar, pulei da cama... Estava convencido de que, se adormecesse novamente, o ataque recomeçaria. Procurei em uma gaveta e encontrei, embora não acreditasse muito na época, uma imagem de São Miguel com o famoso exorcismo que recitei várias vezes antes de voltar a dormir. Adormeci novamente e dormi tranquilamente. Era a madrugada de 2 de janeiro. Aquele novo ano que estava começando seria então o pior momento da minha vida.

  3. Na Campânia, por outro lado, há os Janara que, segundo as histórias, entram nas casas dos outros também para roubar seus cavalos.
    No dia seguinte os potros voltaram com uma crina trançada, um traço inconfundível da passagem da bruxa.
    A visita do espírito do Janara é sentida com uma súbita pressão na barriga, sinal de que o Janara acaba de sentar-se sobre a pessoa adormecida.
    Muitas vezes, sempre de acordo com a crença, o espírito deixa as coisas em desordem ou provoca uma sensação de asfixia no espectador.
    A Janara é descrita como uma bruxa velha.

  4. Na Campânia, por outro lado, há os Janara que, segundo as histórias, entraram nas casas dos outros também para roubar seus cavalos.
    No dia seguinte os potros voltaram com uma crina trançada, um traço inconfundível da passagem da bruxa.
    A visita do espírito do Janara é sentida com uma súbita pressão na barriga, sinal de que o Janara acaba de sentar-se sobre a pessoa adormecida.
    Muitas vezes, sempre de acordo com a crença, o espírito deixa as coisas em desordem ou provoca uma sensação de asfixia no espectador.
    A Janara é descrita como uma bruxa velha.

Deixe um comentário

Il tuo indirizzo e-mail não sarà pubblicato. I campi sono obbligatori contrassegnati *