De Pan ao Diabo: a 'demonização' e o afastamento dos antigos cultos europeus

di Marco Maculotti
capa: Arnold Böcklin, “Pan, a Syrinx-Blowing”, 1827

Já tivemos a oportunidade de constatar que, nos primeiros séculos da nossa era e mesmo durante a época medieval, o cd. "Paganismo Rural" manteve sua difusão inalterada, principalmente nas áreas mais afastadas dos grandes centros habitados. São Máximo observou que "no século IV (...) os primeiros missionários passaram de cidade em cidade e rapidamente difundiram o Evangelho por uma área muito grande, mas eles nem tocaram a paisagem circundante", Acrescentando que" mesmo nos séculos V e VI, quando a maioria deles já havia se convertido, na Gália e na Espanha, a Igreja, como mostram os repetidos cânones dos concílios da época, encontrou grande dificuldade em suprimir o ritos antigos com os quais os camponeses desde tempos imemoriais evitavam pragas e aumentaram a fertilidade dos rebanhos e campos"[AA Barb, cit. em Centini, p.101].

Como consequência desta desconfiança na sobrevivência dos antigos cultos e práticas, a Igreja, nos Cânones dos Concílios e nas homilias dos bispos, distanciou-se claramente de todas aquelas tradições populares que "tentando derrubar os poderes negativos do diabo, na verdade acabaram por seguir o mesmo caminho, recorrendo a práticas apotropaicas de clara origem pagã "[Centini, As bestas do diabo, p.64]. Então você pode ver como toda sobrevivência cultual pré-cristã, como "pagã", foi automaticamente tachada de contrária aos dogmas da tradição judaico-cristã e, portanto, automaticamente considerada "demoníaca", "satânica". Essa atitude de impaciência deu lugar à nova onda de perseguições contra antigos cultos e práticas; o trabalho será posteriormente realizado pela Inquisição, que fará uma limpeza de "hereges" e "bruxas" até o século XVIII, quando já nada restará da "sabedoria pagã". O que o cristianismo fez, em essência, foi erradicar os antigos cultos europeus acusando-os de serem "cultos demoníacos": o que fez, por outro lado, também no lado oposto do oceano com as populações ameríndias.

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Pan, o diabo e as bruxas

A associação entre o deus da vegetação, dos animais e da natureza incontaminada e o Diabo da tradição cristã encontra sua origem nointerpretação cristã medieval da figura de Pan, deus pastoral e rural de um mundo sem leis, de puro prazer e selvageria. Número de pastores e rebanhos, quase uma espécie de antropomorfização da natureza (da mesma forma que Cernunno, Homem verde ou o Wildermann), seu nome é derivado de paon ("Aquele que pasta"), mas também foi definido como um "imundo de pelagem brilhante", como símbolo de uma sexualidade desinibida independente de qualquer moralidade, reminiscente dos tempos arcaicos, em que o ser humano vivia imerso nesse tipo de "promiscuidade em pânico".

Todas essas características funcionais levaram na era cristã à identificação de Pan com o Diabo; Massimo Centini escreve que, "Pés de cabra, chifres, cabelos grossos e cauda são atributos recorrentes da divina criatura silvestre de Arcádia, que de 'suja de cabelo brilhante' foi transformada em Senhor do Submundo e eterno tentador da humanidade" [As bestas do diabo, pp. 70-1], de acordo com os dogmas da nova religião. Por outro lado, segundo o autor [ibid, p.66] "a figura do diabo nunca perdeu sua aura atávica de maldade quase selvagem (animal), que na verdade o relaciona a um universo perverso, repleto de símbolos muitas vezes tão antigos quanto o homem", dos quais raramente as origens são lembradas.

Essas conexões, em última análise, "determinaram toda uma série de atitudes negativas, que influenciaram profundamente o processo interpretativo realizado em torno das criancinhas da natureza selvagem e da floresta, processo não esclarecido pela nova religião" [ibid, págs. 70-1]. Isso fez com que, ao longo dos séculos, uma remoção de certos elementos simbólicos da psique coletiva europeia com o resultado de que, não tendo mais como decifrar arquetípico certos símbolos e, consequentemente, a exteriorização de certas qualidades de ser que agora eram vistas em contraste com o culto oficial, acabou por levar à substituição de antigos ritos por práticas perversas e - estas de verdade -demoníaco. Como afirma Centini [ibid, pág.66]:

“Foi lá demonização ter dispersado as bases primitivas das quais se formou a razão de ser silvestre, capaz de personificar o vínculo entre Natureza e Cultura. A ligação entre o homem selvagem e o universo dos demónios, mediada por toda uma série de outras criaturas malignas, aparece ainda em grande medida condicionada pela consciência do pecado encarnada numa figura não mais humana e relegada, na aparência e no comportamento, a o grau de besta".

O complexo simbólico e ritual que pertenceu a Pan, deus da natureza visto como um único organismo (Panela= "Tudo") *, torna-se assim a plataforma sobre a qual o aterrorizante dançará nos tempos medievais Princeps huius mundi: os impulsos pânico do psiquismo coletivo europeu, atrelado a dogmas religiosos e morais alheios à sua própria cultura, levaram à construção do ritual sabático durante o qual o demônio era cultuado, adversário do deus do Antigo Testamento. O mesmo ocorreu em Cernunno na Gália e nos territórios habitados por populações de linhagem celta: "o modelo primitivo do Senhor dos animais, que muitas vezes não correspondia a um aspecto físico preciso, foi interpretado em chave diabólica, adquirindo um caráter antropomórfico conformação, atribuível ao estereótipo do diabo/selvagem "[Centini, op cit., pág.73]. 

* AF d'Olivet escreve que "o Universo considerado como um todo vivo, composto de inteligência, alma e corpo, foi chamado Panela o Fanes"Dos Órficos [D'Olivet, Os versos de ouro de Pitágoras, pág.164].

Segundo Jorge Galli, não podemos falar dos antigos cultos europeus como meras superstições ou indicá-los com a denominação redutiva de “feitiçaria”. Nesse substrato arcaico, que viveu até a Idade Média, ele viu [Oeste Misterioso, p.170] um "movimento de expansão, de uma verdadeira cultura alternativa que se traduz em comportamentos, com raízes antigas (as civilizações Matrísticas, as Bacantes, os Gnósticos), ressurgindo em condições específicas (a crise da Igreja, a retomada da crenças mágico-astrológicas)". Este movimento foi combatido "porque tinha raízes culturais e sociais, porque sem derrotá-lo [...] a "idade moderna" não poderia ter sido assim, com valores próprios". Galli acrescenta que "O diabo é o Dionísio das bruxas", os sábados são uma atualização dos encontros das mênades e "as mesmas relações com os animais estão ligadas a uma tradição que tem como antecedente em Pasífae e seu mito cretense, como eco de um período em que a promiscuidade do ser humano em a natureza era normalmente vivida "[ibid, p.173].

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De 'episódio da "morte de Pan" relatado por Plutarco, de acordo com a interpretação de James Hillman [Ensaio sobre Pan, p.58], podemos tirar esta lição: sua morte simbólica equivale a um repressão psíquica. "La natureza deixou de nos falar-ou não podíamos mais ouvi-lo. A pessoa de Pan o mediador, como um éter que invisivelmente envolvia todas as coisas natural de significado pessoal, de brilho, se foi". Hillman mais tarde especifica o que ele quer dizer com "remoção" [ibid, pág.59]:

“Quando o humano perde sua conexão pessoal com a natureza personificada e o instinto personificado, a imagem de Pan e a imagem do Diabo se misturam. Pan nunca morreu (...) ele foi removido. Portanto (…) Pan ainda vive, e não apenas na imaginação literária. Ele vive no recalcado que retorna, nas psicopatologias do instinto que se apresentam (...) antes de tudo no pesadelo e nas qualidades eróticas, demoníacas e de pânico associadas a ele”.

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Il Homem Selvagem

Do que foi dito, segue-se que a figura do diabo cristão se sobrepôs, além da de Pan e Cernunno, também à do Homem Selvagem, personagem do folclore das populações de língua germânica, também chamado na Itália, "Salvanello", "homem selvagem" ou "homem da floresta", que é considerado ligado a modelos tradicionais como sátiros, silenes e faunos das antigas mitologias mediterrâneas e sa'iri ("Ruffled") da tradição do Antigo Testamento, os chamados "demônios do campo" [Biedermann, p. 568]. 

Crônicas históricas documentam o culto do "Selvagem" colocando-o em estreita relação com o "sábado das bruxas". Em 1233, de fato, o Papa Gregório IX promulgou uma bula na qual afirmava que "nas reuniões sabáticas Satanás normalmente se apresentava como um homem coberto de cabelos com características atribuíveis à Homem Selvagem Alemão "[Centini, op cit., p.71]. Da mesma forma, em um julgamento inquisitorial de 1615 em Coredo, em Val di Non, a "bruxa" Maria Polizan em sua descrição do sábado indicou Satanás como o "Salvanello", "um estereótipo do selvagem que na tradição lendária de Trentino apresenta aspectos semelhantes ao elfo "[Centini, op. cit. págs. 71-2]. Semelhante às reuniões dionisíacas das bacantes ou àquelas em que se invocava a Deusa dos mil nomes (Diana, Hécate, Herodias, Herodiana, Hera, Frau Vênus, etc.), as tragédias da feitiçaria aconteceram na floresta tarde da noite, durante quatro tempos: encontramos, portanto, todas aquelas práticas que, em tempos antigos, deviam atuar como uma contrapartida efetiva de uma série de crenças agrárias-rurais [cf. Os benandanti friulanos e os antigos cultos europeus de fertilidade], demonizado da Igreja por um lado por um cálculo utilitarista, por outro por uma ignorância imperdoável.

Para a psicanálise moderna o arquétipo do Homem Selvagem, bem como aquele Pânico, simboliza o surgimento da parte primitiva, inferior e obscura do ser humano: o inconsciente em seu aspecto regressivo e perigoso que Jung chamou de "Sombra". Enquanto o Homem Selvagem, Pan também vive na natureza intocada (Arcadia), em uma localidade - como escreve Hillman [em. cit., p.50] - "tanto física quanto psíquica", a ponto de "as 'cavernas escuras' onde ele poderia ser encontrado (...) foram dilatadas pelos neoplatônicos para indicar os recessos materiais em que reside o impulso, os buracos escuros da psique de onde surgem o desejo e o delírio". Mais adiante, ele especifica [em. cit., p.52]: "Definir o instinto como mecanismo desencadeador inato, ou falar dele como um espírito ctônico, uma urgência da natureza, expressa em conceitos psicológicos obscuros aquelas experiências sombrias que outrora teriam sido referidas a Pã". Somente neste sentido sua conexão arquetípica pode ser compreendida, identificada e irremediavelmente deformada pela elite sacerdotal judaico-cristã com as consequências psico-coletivas que mencionamos.

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Robin Goodfellow e Robin Hood

Um personagem do folclore inglês que nos tempos medievais ascendeu a uma nova representação do princípio arquetípico Pânico fu Robin Hood, provável variante do nome saxão Rof Breoht Woden (“A força brilhante de Woden” – isto é, a de Odin), equivalente a puck, companheira nos antigos cultos rurais da deusa do Amor, chamada pelos antigos ingleses de "Bride of May" devido à sua associação com o culto do espinheiro (árvore de maio, “árvore de maio”). Ele também foi chamado eufemisticamente Robin Goodfellow ("Robin, o Bom Diabo"). Deve-se notar que na França o termo robin significa "carneiro", mas também "diabo" [Graves, A Deusa Branca, pág. 455]; ambas as leituras, portanto, nos levam de volta ao complexo mítico peculiar a Pan, bode deus que na era cristã assumiu conotações demoníacas. Adicione a isso que na Cornualha robin significava "faça". Nossa hipótese é totalmente confirmada por uma ilustração em um panfleto do século XVII, no qual Robin "é retratado como um deus itifálico das bruxas, com chifres de carneiro jovem, pernas de carneiro, uma vassoura de bruxa sobre o ombro esquerdo e uma vela acesa na mão direita "[ibid].

É curioso notar aqui como, entre os séculos XIII e XIV, os acontecimentos do histórico Robin Hood, o famoso fora-da-lei da floresta de Sherwood, foram associados mascaradas de Calendimaggio: de acordo com o folclore popular, quando a festa chegou ao fim, Robin "moveu-se contra seu rival Bran ou Saturno, que havia sido Senhor do Desgoverno, "Lord of Bad Government", nas celebrações de Yule "[ibid, pp. 155-6] — ou seja, nos rituais de fim de ano, ligados à "crise do solstício". A partir disso entendemos como Robin de fato cobria, nesses bailes de máscaras populares, que mais tarde resultaram no Carnaval (*KRN), a função de "Rei do Ano Minguante", onde Bran/Saturno obviamente desempenha o papel de "Rei do Ano Minguante". Robert Graves ele acrescenta, sobre as celebrações de Yule, que elas continuaram nos tempos medievais por trás do véu da peça de natal, a peça de Natal, cujos episódios principais foram "a decapitação e restituição à vida do Rei do Natal, ou Enganar Natal" [ibid, pp. 457-8] — peculiaridade que a liga sobretudo à Saturnália romana [cf. Ciclos cósmicos e regeneração do tempo: ritos de imolação do 'Rei do Ano Velho'].

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Beltane: Ostara e o sacrifício da "cabra Calendimaggio"

Ainda no que diz respeito aos rituais do Calendimaggio, sabemos que estas cerimónias eram dirigidas a uma deusa de vários nomes (Hölde na zona germânica, Rea em Creta, Ostara na zona saxónica), a quem se sacrificava um bode. Segundo o estudioso inglês, puck**, “a cabra Calendimaggio, como é evidente nas cerimônias de bruxas inglesas e na sueca Maggiolata Bükkerwise, ele se juntou com a Deusa, foi sacrificado e ressuscitado”***. Ou: a Sacerdotisa juntou-se publicamente ao rei anual [o "Rei do Ano Velho", nda] vestido de pele de cabra, que foi morto e ressuscitado na figura de seu sucessor [o "Rei do Ano Novo", nda], ou em vez disso um bode foi sacrificado e seu reinado foi estendido "[ibid, p.464]. A celebração do Calendimagio (anteriormente definido Beltane) antecipado no calendário cósmico-litúrgico das populações europeias de linhagem celta Lammas, festa da primeira colheita [cf. O festival de Lughnasadh / Lammas e o deus celta Lugh].

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** Para uma análise aprofundada da figura de Puck (e Robin Goodfellow) ao longo dos séculos, cf. Allen W. Wright, Puck Através dos Tempos. A História de um Hobgoblin.
*** É no mínimo curiosa e digna de menção a correspondência entre o sacrifício do "Bode de Calendimaggio" no calendário litúrgico pagão e também do "Cordeiro de Deus", imolado na cruz e destinado a ser ressuscitado a novos vida, na cristã. Acrescente-se ainda que o nome atual da Páscoa nos países anglo-saxões, Páscoa, deriva do nome da deusa Ostara, a "noiva de maio" de Beltane, ao qual o rei-bode foi sacrificado após um hieros gamos (lit. "casamento sagrado"; representação da união sagrada entre o princípio viril e o princípio feminino).

Segundo Graves, "Este rito de fertilidade é a base dos "Pequenos Mistérios" intelectualizados de Elêusis, que foram celebrados em fevereiro e representavam o casamento do bode de Dioniso com a deusa Tione, a "rainha possuída", e sua posterior morte e ressurreição" [ibid]. E, nesse sentido, o que Centini escreve é ​​interessante [em. cit., pp. 117-8], a saber que: “A imagem do cabra-diabo, protagonista das blasfemas cerimónias sabáticas, pode ser entendida como a sobrevivência demonizada dessas divindades híbridas, silvestres, adoradas pelos pagãos e celebradas nas matas; mas ao mesmo tempo deve ser considerado também como a reminiscência dos sacrifícios deste animal, que eram amplamente praticados nos tempos antigos”. Cerimônias desse tipo parecem indubitavelmente ligadas a antigos ritos de fertilidade e regeneração da natureza, que em tempos arcaicos estavam relacionados com a adoração do "deus-bode", Pan, e divindades semelhantes do deserto, como o Homem Selvagem, o Homem verde, e similia, que nos tempos medievais muitas vezes resultava arbitrariamente no caldeirão do cd. “Sábado de bruxaria”.

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Metafísica da máscara

Continuamos este estudo com uma análise aprofundada do significado preciso de mascarar na tradição e no folclore. este excurso será útil compreendermos melhor o último tema que trataremos, a saber, as "máscaras" que se realizaram em toda a Europa por ocasião das calendas de janeiro, período em que se acreditava que os espíritos dos mortos retornar à terra. Vamos nos basear em uma monografia escrita sobre o assunto por Alexandre Pizzorno e intitulado Na máscara.

Em primeiro lugar, deve-se dizer que a máscara e a morte estão intimamente ligadas: o modelo original da máscara teria sido o crânio humano ou o crânio de um animal [Pizzorno, p.27]. Para algumas tradições (por exemplo, a Dogon) a máscara apareceu quando o primeiro ancestral, querendo conhecer a língua secreta, foi punido pelos deuses com a morte. A aparência da máscara é, portanto, contemporânea à da mortalidade humana: a máscara, nesse sentido, "restabeleceria a ordem na desordem causada pela morte" [ibid, pág.29]. Desta forma, aquele que usa uma máscara durante um ritual morre como indivíduo e se separa de sua personalidade (= máscara) diariamente para personificar um ser atemporal, fixado na máscara que o representa: pode-se dizer, portanto, que "a máscara começa onde a personalidade" [ibid, p.35], ou a máscara que cada indivíduo usa em seu cotidiano. A pessoa que se esconde atrás da máscara "tenta enxertar sua própria ação no corpo de sua história cotidiana, interrompe sua identidade pessoal, retira toda ação que toma da responsabilidade de antes e depois" [ibid, pág.49].

Além disso, dentro de uma situação cerimonial em que todos os participantes do rito estão mascarados, as máscaras servem para suprimir a consciência pessoal para perceber a identidade de consciência de todas as pessoas presentes [ibid, p.43]. A possibilidade disso participação mística em ultra-consciência, A uma egrégora—Diríamos em termos gnósticos—, é em estreita ligação com o aspecto de atemporalidade e eternidade que a máscara veicula: "na incessante passagem e ritmo do que é permanência, duração, identidade, o que, resistindo ao tempo, representa o tempo em seu aspecto de eternidade, pode estabelecer a participação "[ibid, pág.48]. Trata-se, portanto, de uma identificação coletiva com um ser invencível porque imutável. É sobre "Para escapar do tempo premente da situação para se colocar - e agir a partir daí - no tempo mítico onde operam os seres que as máscaras representam; para garantir uma presença dominante e intangível. O espectador tem pavor do poder de ser representado; mas sobretudo da monstruosa relação entre ela e o homem que a carrega "[ibid, pág.56].

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Larva, Masca, Estria

Por outro lado, a ligação entre máscara e seres assustadores (demônios, espíritos, mortos, bruxas) é confirmada pela tradição, a ponto de se afirmar que originalmente as máscaras "retratam seres do submundo que reaparecem na terra no início do ciclo anual" [Toschi, Folclore, pág.33]. Em latim, larva significava tanto "fantasma" quanto "máscara"; o outro termo usado para indicar a máscara, personalidade, provavelmente de derivação etrusca, ainda em plena latinidade serviu para designar as almas dos mortos, em perfeita coerência com a crença latina de que os mortos sobreviviam como máscaras [Pizzorno, em. cit., págs. 32-3]. O nome italiano atual deriva de masca, que originalmente tinha o significado de "Morto, bruxa ou espírito maligno". Toschi escreveu que [cit. em Centini, em. cit., p.109] "na Lombardia, masca significa antes de tudo um espírito ignóbil, que, semelhante ao estrias Romano, devorava homens vivos, mas parece que originalmente masca significava um homem morto, envolto em uma rede para impedir seu retorno à terra, costume que se encontra em algumas populações primitivas. Frequente é o uso de masca, novamente para indicar bruxa, no latim medieval e também nos séculos mais próximos ao nosso”. Entre os séculos XII e XIII, Gervásio de Tilbury escreveu: "Os físicos dizem que as lâmias, comumente chamadas de massa ou na língua gaulesa à risca, são visões noturnas que perturbam a alma dos adormecidos e causam opressão "[ibid] [cf. O fenômeno da paralisia do sono: interpretações folclóricas e hipóteses recentes].

No entanto, acredita-se que o Real demonização do disfarce só se acentuou a partir das origens do cristianismo, quando a máscara estava "diretamente ligada ao diabo e sua capacidade de mudar constantemente em suas tentativas de enganar os homens" [ibid, p.100]. No entanto, na Idade Média, no âmbito folclórico, a máscara tornou-se o emblema do revigoramento do paganismo dentro das tradições populares que, do ponto de vista da Igreja - como vimos - eram um "autêntico receptáculo do diabo " [ibid]. Entre as máscaras mais famosas do carnaval italiano, a de Arlequim é o mais interessante aqui: ele inicialmente "era certamente um demônio, na verdade a cabeça de uma horda de demônios: seu próprio nome Alequim derivado de inferno= "Inferno» "[Toschi, em. cit., p.33]. Arlecchino foi, portanto, originalmente, um 'duplo' de Saturno / Cernunno, o deus com chifres cervinos que governa o 'Submundo'; e não é por acaso que muitos estudiosos traçam uma conexão etimológica (mas ainda assim funcional) com Erlik Khan, deus muito antigo do 'submundo' e dos mortos no xamanismo turco-mongol e siberiano, também como Cernunno (e Kronos nos hinos órficos, bem como o indo-iraniano Yama / Yima) tradicionalmente representado com um chifre de veado [ cf. Divindade do submundo, a vida após a morte e os mistérios].

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Calendas de janeiro: le Cérebro e o "complexo de culto do visitante"

E com isso voltamos ao discurso anteriormente desenvolvido, tratando do período de "Crise do inverno" e o retorno, nesta época do ano, dos espíritos dos mortos ao mundo dos vivos. Mircea Eliade conecta complexos míticos dessa forma a "Complexo de culto do visitante", que inclui, no espaço europeu, as crenças sobre a chegada, no doze dias entre o Natal e a Epifania [cf. O substrato arcaico das festas de fim de ano: o significado tradicional dos 12 dias entre o Natal e a Epifania], do deus Odin (mais tarde profanado em Papai Noel ou S. Nicola) e da deusa Hölde (mais tarde profanado na figura da Befana) com eles seguindo la Wilde Heer (exército furioso, exercitus feralis) e a procissão das almas dos mortos (dianático) [cf. Cernunno, Odin, Dionísio e outras divindades do 'Sol de Inverno'].

Falando das festas agrícolas do início do ano, Cesário de Arles no século VI escreveu dirigindo-se aos membros das comunidades rurais francesas: “Quando chega a festa das calendas de janeiro, você estupidamente se alegra, fica bêbado, enlouquece em canções eróticas e jogos obscenos (...) venha em procissão, na frente de sua casa, disfarçado de veado, bruxas, qualquer animal"[Centini, op cit., págs. 100-1]. Recorde-se que o veado, sobretudo pela muda anual dos seus chifres, está simbolicamente ligado à morte e regeneração da natureza. Danças licenciosas com corça ou máscaras antigas também foram efetivamente realizadas no campo alemão ou inglês durante os doze dias entre o Natal e a Epifania. [Tilak, Orion, pp. 162-3], que sabemos serem os dias da "crise do solstício", durante a qual se acreditava possível o retorno dos espíritos dos mortos entre os vivos. A esses exemplos devemos acrescentar o de regos da Europa Oriental, irmandades juvenis que nos doze dias percorriam as aldeias relatando os desejos dos mortos, usando fantasias e máscaras que remetem ao esqueleto humano [Centini, em. cit., p.76] e, portanto, em última instância, aos mortos e ao cd. «Complexo de visitantes» [cf. Metamorfose e batalhas rituais no mito e folclore das populações eurasianas].

Quanto à Itália, foi Jung quem atestou a existência de um antigo festival pagão chamado Ano Novo Cérebro o cérvulo, comemorado nas calendas de janeiro, durante as quais o estrelinhas (composta por galhos de uma planta propícia que se desprendeu de um bosque na Via Sacra, consagrada a uma deusa de origem sabina, Strenia, portadora de sorte e prosperidade) e mascarada de animais ou velhas, dançando ao som de quem o Igreja considerada "cantações sacrílegas". Marija Gimbutas especula que essas manifestações são atribuíveis a ritos arcaicos em homenagem a uma divindade feminina, uma «Senhora dos Animais» da aparência de corça ou corça, da qual Diana teria derivado. Além disso, Pausanias atesta que Ártemis, no templo de Despoina, na Arcádia, usava pele cervina [Radin, Jung, Kerényi, O patife divino, pág.180].

Ritos semelhantes também são atestados em Creta e Chipre, mas não eram prerrogativa apenas das culturas indo-européias: Eliade atesta a existência de cerimônias semelhantes também entre os sumérios, os egípcios e os antigos japoneses. Na Terra do Sol Nascente, “tal como entre os alemães e outros povos indo-europeus, a última noite do ano é marcada pelo aparecimento de animais funerários (cavalos, etc.) dos deuses e deusas ctônico-funerárias; neste ponto acontecem as procissões mascaradas das sociedades secretas dos homens, os mortos visitam os vivos e celebram-se as iniciações" [Eliade, O mito do eterno retorno, p.96]. Estamos, portanto, perante uma crença generalizada na antiguidade: a sua propagação por toda a zona euro-asiática e mediterrânica leva-nos a hipotetizar a existência de um calendário cósmico-litúrgico comum, com mitos e ritos relacionados, em tempos pré-históricos. Mais enigmático é o testemunho que nos chega do Extremo Oriente, que talvez possa ser explicado em virtude das migrações muito antigas do estoque Ainu que ocorreram no XII-XI milênio aC. Vieram da Sibéria e praticaram um culto de tipo animista: isso obviamente traz água para o nosso moinho, pois já demonstramos amplamente a existência, na pré-história, de um xamanismo pan-eurasiano que emerge do substrato mais arcaico das tradições europeias até as distantes estepes orientais da Sibéria e da Mongólia.

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Referências:

  • H. Biedermann, Enciclopédia de Símbolos (Garzanti, Milão, 1991).
  • M. Centini, As bestas do diabo (Rusconi, Milão, 1998).
  • M. Eliade, O mito do eterno retorno (Boria, Bolonha, 1968).
  • M. Eliade, A nostalgia das origens (Morcelliana, Bréscia, 2000).
  • G. Galli, Oeste misterioso. Bacantes, gnósticos, bruxas: os perdedores da história e seu legado (Rizzoli, 1987).
  • M. Gimbutas, A linguagem da deusa (Longanesi, Milão, 1990).
  • R. Graves, A Deusa Branca (Adelphi, Milão, 1992).
  • R.Heinberg, Os ritos do solstício (Mediterrâneo, Roma, 2001).
  • J. Hillman, Ensaio sobre Pan (Adelphi, Milão, 2008).
  • AF d'Olivet, Os versos de ouro de Pitágoras (Luni, Florença-Milão, 2006).
  • A.Pizzorno, Na máscara (Il Mulino, Bolonha, 1998).
  • P. Radin, CG Jung, K. Kerényi, O patife divino (Bompiani, Milão, 1979).
  • LBG Tilak, Órion. Sobre a antiguidade dos Vedas (ECIG, Génova, 1991).
  • P.Toschi, Folclore (Italian Touring Club, Milão, 1967).
  • AW Wright, Puck Através dos Tempos. A História de um Hobgoblin.

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